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Confinamento no pasto avança no Centro-Oeste

A vista do horizonte anuncia a boiada, que se aproxima lentamente. A equipe de vaqueiros logo receberia o primeiro sinal de que a tarefa a ser cumprida é árdua. A presença do fotógrafo inibe o rebanho, que resiste em avançar ao curral onde será vacinado. O capataz ergue o chapéu na tentativa de conter a fuga. Mas a boiada estoura. Uma. Duas. Três vezes.

Em meio à rotina trabalhosa para imunizar o gado e, assim, cumprir os requisitos da campanha nacional de vacinação contra a febre aftosa, a Fazenda San Diego, localizada no norte de Mato Grosso do Sul, ilustra um movimento que está ganhando espaço na pecuária brasileira, sobretudo nas regiões produtoras de grãos do Centro-Oeste.

Às voltas com problemas no pasto, alvo de longos períodos de estiagem e de invasoras como o “broto” do Cerrado, fazendeiros como José Alves Clemente, dono da San Diego, consideram uma inflexão na estratégia conservadora de investimentos. Refratário à tomada de crédito rural, o pecuarista admite que o gado não poderá continuar a ser exclusivamente alimentado com pasto em largas porções de terra, o perfil clássico da pecuária extensiva no Brasil.

“Talvez tenha que fazer o semi-confinamento”, titubeou, no início da conversa com técnicos da consultoria Agroconsult. Com o avançar da prosa, Clemente demonstrou mais certezas sobre a utilização de grãos na alimentação do gado. “Essa suplementação é questão de tempo”.

Para muitos pecuaristas da região de Rondonópolis, em Mato Grosso, esse tempo já chegou. A tendência, que vem se consolidando nos últimos três anos, é fornecer grãos de modo intensivo no próprio pasto – o que, na prática, tem o mesmo efeito do confinamento: acelera o ganho de peso e amplia a taxa de lotação do gado no pasto. Não à toa, a estratégia ganhou dois apelidos entre especialistas: “confinamento a pasto”, ou “novo semi-confinamento”.

O pano de fundo para a adoção dessa dieta intensiva em grãos é a necessidade de a pecuária ser mais produtiva para responder às pressões ambiental e econômica. Afinal, o avanço da área plantada com grãos – e também com florestas – deve acontecer sobre as pastagens. Por outro lado, o Brasil terá papel primordial no suprimento da demanda global por carne bovina no longo prazo, o que exige uma produção maior em uma área menor.

Para fazer jus à expectativa mundial, os pecuaristas do país não podem mais negligenciar o cronômetro. A idade do animal abatido, que já chegou a ultrapassar os quatro anos, precisa diminuir. É isso o que o pecuarista Gustavo Martini, de Rondonópolis, vem fazendo. A partir do confinamento a pasto, reduziu de 36 para 28 meses a idade média de abate do gado comercializado. A meta é vender animais de 18 meses

Em Coxim, Mato Grosso do Sul, há uma combinação do novo semi-confinamento com o confinamento clássico. Na Fazenda São Vicente, o rebanho é tratado com ração e pasto até ser enviados ao confinamento do grupo em Nova Andradina, como explicou o gerente da propriedade, João Ferreira.

As transformações rumo à intensificação também dão o tom em Poxoréu, no sudeste de Mato Grosso. Recém-formado em veterinária, Anderson Zanetti visitou ao lado do pai mais de 60 fazendas no início da década de 2000. A “pior” delas, a Bonanza, foi adquirida. “Não fui eu que escolhi”, contou Anderson, aos risos.

Coube ao patriarca da família Zanetti, o agricultor Eswalter, definir a propriedade rural que marcaria o retorno dos Zanetti à pecuária. “Meu pai escolheu com aquele pensamento de pecuarista tradicional. Ele acha que tem que ser de vasta extensão”.

Sob o comando do filho veterinário, a fazenda de 2,8 mil hectares de terreno arenoso sofreu um processo de degradação total dos pastos duas vezes, vítima da praga conhecida como percevejo castanho. “Perdi a fazenda inteira em 2005 e, em 2009, degradou 100% novamente”, disse Anderson Zanetti.

A segunda morte das pastagens da Fazenda Bonanza provocou alterações radicais, seja na variedade do pasto plantado, seja na maneira de encarar o negócio. “Passando pela situação que eu vivenciei, você começa a mudar o perfil, de um médico veterinário para um gestor”.

E foi como gestor que Zanetti adotou, em 2013, o confinamento a pasto como estratégia de produção. Para tanto, dotou a Bonanza com as chamadas “praças de alimentação” – onde há cocho para ração e bebedouro para os mais de 4 mil bovinos da fazenda. Diariamente, os diferentes lotes de bovinos são levados para uma das 32 praças de alimentação.

Para não desgastar o pasto no período da seca, Zanetti não abre mão da estrutura de confinamento, que tem capacidade para receber 4,5 mil bovinos de uma só vez.

Manter o uso intensivo de grãos também demanda outras tecnologias. Zanetti conta com a própria fábrica de ração, onde faz a mistura de milho, farelo de soja e de outros aditivos (vitaminas, por exemplo) que fazem parte da ração. O milho consumido na Bonanza é comprado junto à própria família Zanetti, que produz o grão em Paranatinga (MT).

Entusiasta da estratégia de confinamento a pasto, Neimar Urzedo, gerente técnico-comercial da empresa de nutrição animal Novanis, avalia que a adoção reflete o interesse de pecuaristas que estavam “ficando para trás” em rentabilidade. O especialista alerta, no entanto, que a intensificação no uso de grãos e outras tecnologias deve ser acompanhadas de melhoras na área gerencial. “O que se percebe é que todos os pecuaristas estão preparados, mas falta gestão”, disse.

O alerta é corroborado por Maurício Nogueira, coordenador da área de pecuária da Agroconsult. Na avaliação dele, os agricultores que tem gestão – e portanto, “fazem conta” – continuarão lucrando este ano, ainda que a margem de lucro deva ser menor devido à disparada do preço do milho no mercado doméstico (ver Quebra da safra deixa milho mais caro). É o caso da Fazenda Bonanza, onde a margem de lucratividade deve cair dos 12% alcançados no último ano para 5% em 2016, de acordo com Zanetti.

Por outro lado, advertiu Nogueira, uma parcela de pecuaristas que decidiu adotar a estratégia de confinamento a pasto no embalo da tendência pode se “assustar” com os preços do milho. O risco, acrescentou, é que esses produtores tirem o pé do acelerador para reduzir a despesa com o grão. O problema dessa estratégia é que a queda da receita será maior do que a redução de despesas, pressionando as margens.

Para Nogueira, a escolha entre o confinamento a pasto e o confinamento tradicional deve ser avaliada com cautela. “Os dois tem vantagens e desvantagens”. No confinamento tradicional, é preciso volume de gado para que a estrutura não fique ociosa. Em contrapartida, o confinamento a pasto depende da boa qualidade das pastagens. Nesse sentido, adubar as plantas é um item que precisa ser levado em consideração. O jornalista viajou a convite da Agroconsult.confinamento

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